Resenha:
Foi anunciado por Paulo Gil, em voz-off, a abrir o concerto:
Andrew Hill e o seu sexteto, um «New Point of Departure».
Estava assim lançado o desafio sob a forma de três
preposições, ou, se se quiser, de três
apostas numa só: uma alusão ao significado
que encerra a denominação «Point of
Departure», título do álbum homónimo
do pianista, publicado pela Blue Note em 1964 e que definitivamente
antecipou a inclusão de Andrew Hill no Panteão
do Jazz; outra, que pretenderia simbolizar o renascer do
espírito daquele projecto, na forma e conteúdo;
e outra ainda, que se poderia ligar à ampliada e
renovada formação que se apresentou no palco
do Seixal na noite de Sábado, 1 de Novembro de 2003.
Sem prejuízo de globalmente terem sido ganhas todas
aquelas apostas, no concerto que encerrou mais uma excelente
edição do «Seixal Jazz – Festival
Internacional de Jazz do Seixal/2003», um dos aspectos
mais interessantes de seguir foi talvez o produto da diferença,
na forma e conteúdo, entre aqueles dois Pontos de
Partida, o “velho” e o “novo”.
Na sessão de Sábado, Hill apresentou um combo
com formação idêntica à do muito
aclamado álbum «Dusk» – um dos
melhores do ano de 2000, segundo a crítica –
que incluiu Greg Tardy em sax tenor, Jason Yarde, saxofones
soprano e alto, John Herbert contrabaixo e, reincidente
neste festival, o baterista Nasheet Waits.
Em palco, e à medida que a música fluía,
aconteceu o que se esperava: diante do público um
Andrew Hill em bom nível, como pianista, compositor,
arranjador e líder de uma formação
que toca jazz progressivo no sentido mais profundo e amplo
do termo, que ultrapassa barreiras estilísticas e
consegue surpreender o ouvinte a cada passagem, ora num
registo mais conforme com o que vem escrito na partitura,
ora em estado de maior liberdade improvisacional.
Hill, tal como tinha acontecido há uns anos no Grande
Auditório do Centro Cultural de Belém, em
Lisboa – onde foi vítima da deficiente acústica
da sala para ouvir este tipo de formações
– deixou notícia de que continua a fazer música
que está para além da nomenclatura dos géneros
e subgéneros tipificados, das modas do momento e
da rotulagem fácil.
Percebeu-se uma vez mais que a recorrente associação
do seu nome ao do mestre Monk é ajustada, sobretudo
no que toca ao estilo de execução (alguém
um dia lhe chamou “Monk com asas”) e à
forma de composição, com predomínio
para a fórmula que ao longo dos anos provou ser eficaz,
recondutível à ideia de que quanto mais simples,
melhor.
É da vida: fazer simples, as mais das vezes, revela-se
muito complexo. E isso ficou patente no trabalho do pianista,
ao conseguir fazer soar o sexteto como se de um grupo mais
alargado se tratasse. Neste aspecto particular o mérito
vai para a qualidade dos arranjos, que ora moldavam a música
e a rematavam em acabamentos de fino recorte, ora lhe conferiam
a qualidade de obra aberta ou inacabada, ambas características
da música de Hill, do “velho” e do “novo”
«Point of Departure».
Individualmente, cabe referir que nem todos os músicos
se mostraram ao mesmo nível técnico e artístico.
Da esquerda para a direita e da frente para trás,
Greg Tardy, sax tenor, pareceu?me algo sonolento e vagaroso
no descolar, embora certinho e sem se deixar ficar para
trás. Ron Horton, trompete, não aqueceu nem
arrefeceu; conferiu alguma cor ao conjunto, possuidor que
é de um som nítido, embora algo indistinto
e sem brilho quando solou.
Jason Yarde, em saxes soprano e alto, fez a diferença
na linha da frente. Tocou a tempo inteiro com a garra e
a vivacidade que faltaram aos outros sopradores, seguro
tanto no desenhar dos uníssonos como na actividade
de rasgar pano enquanto solista, a revelar atrevimento,
solidez e entusiasmo que chegavam para todos. Por isso foi
digno das maiores ovações da noite. Ao mesmo
nível criativo estiveram as actuações
impecáveis do contrabaixista John Herbert e do baterista
Nasheet Waits, este último o único músico
a quem, coincidência ou não, coube abrir e
encerrar o Festival.
Tudo está bem quando acaba bem. Final feliz para
mais uma edição do Festival de Jazz do Seixal.
E para o ano, haverá continuidade? Em tempos adversos
à promoção de bons eventos culturais
e mais contrários ainda quando se trata de programar
jazz, a resposta do público, que por completo encheu
todos os concertos do Festival, pode e deve ser um indicador
a ter em conta pela Organização. Que seja
até para o ano!
Eduardo Jorge Chagas
Comentario:
Eduardo Jorge
Chagas Traducido por Diego
Sánchez Cascado