Resenha:
Do terceiro concerto no âmbito do Seixal Jazz 2003, com o Ted Nash
Quintet, não se esperavam grandes surpresas. Sabia-se de antemão
que Ted Nash e os membros do seu quinteto – um combo em formato tradicional
com dois sopros e piano, denominado Still Evolved – não são
propriamente músicos que rasguem caminhos novos, se aventurem no
desconhecido ou se coloquem fora da corrente principal.
Aqui o contexto é outro:
Nash e colegas trabalham essencialmente sobre a matéria?prima composição,
que apuram e transportam a um elevado estatuto de maioridade. Cada peça
é um trabalho cuidado de arquitectura, construção e
arranjo, que depois é posta à discussão e enriquecida
pela improvisação dos participantes, todos eles compositores
eméritos e lideres dos seus próprios projectos musicais.
É o caso, entre outras,
das formações Herbie Nichols Project, Ben Ellison Medicine
Wheel, Ben Ellison & Seven Arrows, Michael Blake´s Elevated Quartet,
Frank Kimbrough Trio ... – projectos que funcionam como laboratórios
de pesquisa e investigação, onde se talham as ferramentas
para actualização da memória do jazz, através
da reciclagem do seu vocabulário.
O discurso musical do quinteto
na noite de ontem partiu em boa medida da premissa de que, no jazz, em matéria
de forma, tudo está praticamente inventado; há é que
olhar com olhos de hoje para o vasto património histórico-cultural
do género e sobre ele reelaborar.
Assim se constrói um discurso
que, sendo classizante na forma – veículo privilegiado para homenagear
os mestres do passado – é novo na abordagem, na reutilização
sábia dos materiais preexistentes e na incorporação
de estilos musicais com os quais o jazz desde longa data privou intimamente,
no caso concreto, as formas que lhe vêm do bolero, tango e flamenco,
e que parecem ter contaminado positivamente a veia criativa de Nash.
O primeiro set da noite, baseado
exclusivamente em composições do saxofonista, serviu para
provar à saciedade duas coisas: 1) a justeza da reputação
que Ted Nash construiu no passado recente ao lado de Joe Lovano e de Wynton
Marsalis, neste último caso enquanto membro da Lincoln Center Jazz
Orchestra; e que 2) definitivamente assumiu a estatura e o competente papel
de líder, enquanto saxofonista tenor, compositor e brilhante arranjador.
Reciclar, reutilizar, revalorizar
– Nash tratou de dar cumprimento à chamada lei dos três R´s.
O produto mostrou-se sob as vestes de um pós-bop exuberante e plenamente
satisfatório, qualquer que seja o ponto de vista pelo qual se analise.
Individualmente, não há
a destacar nomes, sendo certo que todos os membros do quinteto estiveram
em excelente forma técnica, artística e criativa, contribuindo
para que o palco do Auditório Municipal apresentasse um tão
elevado índice de talento por metro quadrado. Cinco figuras, cinco
personalidades maiores do jazz actual. E há noites em que o jazz,
apesar do seus 100 anos, parece um menino.
Eduardo
Jorge Chagas